15.11.08

Execício # 2: Do comportamento das aranhas (urbanas)

É típico do comportamento das aranhas urbanas estancar a marcha sem motivo aparente - às vezes na quina da parede ou na beira de um precipício - quando estão a caminho de algum compromisso inadiável e se pôr a esfregar com força as patas dianteiras uma nas outras ou no rosto. Não se trata, como a sabedoria popular talvez insista em afirmar, de um sexto sentido que as alerte do perigo próximo e prejudicial a sáude. Longe disso: na maioria das vezes, o ato brusco e atribulado tem mais relação com a memória sobrecarregada desses atarefados seres do que com meditações cotidianas sobre a mortalidade.

Desajeitadas, essas criaturas freqüentemente deixam a teia ou o ninho (se a aranha em questão for mãe de família), em desabalada pressa, esquecendo sem a menor parcimônia a carteira de dinheiro, documentos, relógios ou as chaves do carro. Como conseqüência do costume involuntário, o senso de precaução as obriga a parar e checar se levam consigo todos os apetrechos necessários a sua sobrevivência diária. Caso se verifique a falta de algum item essencial, imediatamente giram em torno das oito patas e se põem a percorrer o caminho de volta, não sem os resmungos e xingamentos de praxe, como é próprio do comportamento rabugento das aranhas.

No caso das espécies peludas, há uma preocupação estética adicional com o asseamento das pernas ou da barba no caso dos machos, em especial naqueles indivíduos de tez mais escura. Ao inventário desses somam-se um pente e um espelho portátil, de boa superfície refletora, comprado nos estabelecimento mais modesto da região, o que denota outro comportamento inerente às aranhas: a incurável sovinice. Desnecessário dizer que, no caso do esquecimento desses itens essenciais, a carga de palavrões é intensificada e redobrada.

No caso excepcional de ordem absoluta no inventário pessoal, a aranha urbana e moderna rapidamente retoma o passo rumo ao compromisso adiante, com humor e confiança reforçados.

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