31.10.08

Saudades do filho


Tradução livre de "Missing My Son", de Tom Waits

(in Orphans: Brawlers, Bawlers & Bastards, 2006, ANTI)

Eu tava outro dia na fila do supermercado, nada demais, só esperando para colocar minhas coisas na esteira do caixa e dar o fora dali. E bem na minha frente tinha uma dona que, de repente, sem motivo nenhum, começa a me encarar. Bem, eu vou ficando um bocado nervoso com aquilo e começo a disfarçar e tentar fingir que não estou notando, mas não adianta e ela continua a me encarar fixamente. Até que finalmente ela se aproxima e diz: “Por favor, me desculpe ficar te encarando assim, eu sei que é chato e tal”, esse tipo de coisa. “Mas é que você é a cara do meu filho... que morreu. E eu não consigo parar de olhar pra você”. Daí ela começa a mexer dentro da bolsa e tira de lá uma fotografia do falecido pra me mostrar. O sujeito não se parece nada comigo. O cara é chinês, na verdade.

Bem, ficamos de papo por um tempo e daí ela diz: “Desculpa, mas você se importa de, quando eu for saindo do supermercado, dizer ‘Tchau, mamãe’ pra mim? Eu sei que é esquisito e tal, mas é que faz tanto tempo que não ouço meu filho dizer ‘tchau’ pra mim ou ‘até logo’... e me faria tão bem ouvir isso agora. E, olha, se você não se importar...”. E eu digo, meio sem graça: “É, ok, tudo bem, eu acho. Posso fazer isso”. Ela recolhe as compras no caixa e eu fico olhando enquanto ela atravessa a loja em direção a saída. Antes de passar pela porta ela se vira pra mim, acena e diz: “Tchau, filho!”. E eu olho pra ela, ergo o queixo, aceno de volta e digo: “Tchau, mamãe!”.

E aí ela sai, finalmente, e chega minha vez e eu começo a passar minhas compras na esteira e o sujeito do caixa vai conferindo as coisas. Quando termina ele vira pra mim e diz: “Deu quatrocentos e setenta e nove dólares”. E eu digo: “O quê, mas será possível?! Eu só tô levando uma latinha de atum, um caixa de leite, um pouco de pão e mostarda...” E ele diz: “É, mas você está pagando pelas compras da sua mãe também, não tá? Ela disse que acertasse com você”. E eu digo: “Ei, peraí, ela não é minha mãe!”. E ele responde: “Mas eu ouvi muito bem quando ela virou pra você e disse ‘Tchau, filho!’ e você respondeu ‘Tchau, mãe!’ pra ela. Que é que tá acontecendo aqui, afinal?”. E eu digo: “PORRA!” e quando olho pro estacionamento a dona está entrando no carro, pronta pra sair. Eu corro até lá e ela já tá quase fechando a porta, começando a tirar o carro, e eu agarro na perna dela e começo a PUXAR!... Que nem eu tô puxando a tua *.

* Em inglês, “puxar a perna de alguém” quer dizer “tirar onda”, “sacanear”. É um gíria meio idosa, bem mais usada pela velha guarda do que pelos jovens. Tentei, mas não consegui achar nenhum equivalente em português que soasse adequado e ainda por cima preservasse a piada do final. Acabou ficando literal e capenga, admito.

Ouça a versão original de "Missing My Son":


29.10.08

It's alive, it's alive!!!!


Demorou, mas saiu. Em termos, pelo menos.

O Inimigo, revista eletrônica sobre música (seja lá o que issoa queira dizer) que vinha sendo arquiteda há algum tempo, em várias mesas de bar finalmanete inicou suas atividades. Ainda em caráter experimental, no duvidoso formato de blog, a idéia começa a ganhar forma.

Na rabeira do Festival DoSol, estamos aí. Acesse www.oinimgo.com/blog e se refestele. Depois a gente melhora a cara. Por enquanto, vamos postando a produção recente.

Agradecimentos especial à Alexandre Honório e Kênia Castro, o casal DZ3.

16.10.08

Enquanto o mundo dorme...

Eis algo para tirar o sono dos incautos e que talvez ajude a entender porque eu insisto tanto em arrumar motivos para falar desses caras.

[[Mogwai - "Glasgow Mega-Snake"]]

[Ao vivo - Shikinba Studio Coast, NY - Novembro de 2006]

Detalhe: o baixinho careca é o dono da banda, por mais sinistro e pertubador que possa parecer.

[[Atualização]]: O grande Vlamir Cruz transmite por email o link de uma entrevista "semiquase real" com o veterano Bob Crazy, baixista de monolitos do rock provinciano como Fluidos e Cabeças Errantes. No site Lado Norte, ou seja, aqui.

13.10.08

Crônica pop: Dinossauros efervescentes

Gênero nefasto, comumente – e, em 90% dos casos, certeiramente – atribuído a chatice e a pompa desnecessária, o rock progressivo pode ser considerado o ogro feio do rock’n roll. Comumente caindo na prateleira do “não ouvi e não gostei”, as bandas do estilo quase sempre só encontram admiradores entre fileiras de tiozões saudosistas ou nerds do laboratório de informática.

Os modernos, que preferem gastar seus tostões em coisas menos inúteis do que discos ou revistas sobre música, fogem desse tipo de sonoridade como o diabo da cruz, jogando tudo na pasta de quarentena imaginária do PC, enquanto ignoram que boa parte dos artistas atuais ditos “de vanguarda” e que encontram lugar confortável no gosto desses mesmos seres antenados devem até o fundo das calças a nomes empoeirados como King Crimson, Yes e Gentle Giant. Figuras como Arcade Fire, Radiohead, Mars Volta e tantos outros estão aí para não me deixar mentir.

Dentre todos esses dinossauros do passado, o mais popular e, talvez por isso mesmo, mais injustiçado é o Pink Floyd (saltitantes, nos idos de 68). Típico caso da banda que virou instituição, o grupo de Roger Waters e David Gilmour é figurinha carimbada no aparelho de DVD ou na trilha sonora ambiente de "rock bares" descolados. Mas são comumente conhecidos graças à uma bobagem como “Another Brick in the Wall”, que atinge desde o teu pai até o flanelinha que te cobra 5 pilas na saída do mesmo bar, o que joga por terra toda as credenciais que a música do grupo poderia ganhar (se é popular e todo mundo conhece, logo não presta).

Calma que o buraco é mais embaixo. Antes de virar uma punheta musical de raio laser, palcos duplos e álbuns conceituais, o Floyd foi um dos grupos mais inventivos a sair da Inglaterra no final dos anos 60. E, como criatividade e coerência artística não vêm de graça pra ninguém, a banda foi protagonista de um dos maiores dramas internos da história da música pop.

A história está muito bem contada no excelente livro do jornalista inglês John Harris, The Dark Side of the Moon: Os bastidores da obra-prima do Pink Floyd. Diferente do que o infeliz título entrega, Harris não se prende a relatar somente a gravação do clássico álbum de 1974, tão enraizado na cultura inglesa que estima-se que uma em cada cinco casas do país possua uma cópia. Ao contrário: as gravações de The Dark Side... são apenas o clímax do livro que, por meio de entrevistas com os músicos originais e pessoas envolvidas na produção da banda, figuras da cena psicodélica londrina e demais vozes relevantes, traça um perfil completo e interessante do inferno astral no qual o Pink Floyd foi jogado após a derrocada definitiva do líder Syd Barret.

Vindo do cenário underground da Cambridge de fins dos anos 60, quando a efervescência psicodélica da Costa Oeste dos Estados Unidos, mais a literatura beat e todo o levante contracultural, que ainda incluía as artes gráficas e o cinema, atingiu todos os inferninhos da região, o grupo então formado por Syd Barret (guitarra e voz), Roger Waters (baixo), Richard Wright (teclados) e Nick Manson (bateria), produziu um álbum de estréia que pavimentava um caminho auspicioso para o pop da época. The Piper at the Gates of Dawn, com suas faixas que mesclavam experimentalismo e senso pop em doses iguais, unia a chapação da psicodelia com imagens tiradas da literatura infantil e um senso de loucura até então charmoso.

Quando a ameaça se provou concreta e verificou-se que, de fato, Barret, figura central do grupo e autor de praticamente todas as faixas do álbum, sofria de problemas mentais potencializados pelo abuso de drogas, os outros três integrantes se viram jogados na Rua da Amargura. Assumindo o comando, Waters recruta o galã David Gilmour para a guitarra que, apesar de não levar muita fé no futuro da banda, aceita o convite atraído pela possibilidade de “fama e garotas”, como ele próprio admitiu depois. O problema é que Roger Waters ainda não era um compositor de verdade. No livro, Harris chama “Take Up Thy Stetoschope and Walk”, única contribuição de Waters em Piper… de “uma embromação musical que resultou na única falha berrante do disco”.

As críticas ao segundo álbum da banda, A Saucerful of Secrets, também não foram muito elogiosas. Numa resenha datada de outubro de 68, o crítico Jim Miller, da Rolling Stone, classifica o disco como “medíocre” e taxa as composições de Waters de “melódica, harmônica e liricamente chatas”. Não totalmente sem razão, aliás. Mesmo contendo excelentes momentos como “Set the Controls for the Heart of the Sun” (só pelo título, já valia alguma coisa), o disco se perde na triste tentativa da banda de emular o estilo e a genialidade do líder deposto. “Juggerband Blues”, última contribuição de Barret na banda, fecha o álbum com um clima melancólico de despedida (“I 'm not there (...)/And I wonder who could be writing this song")

Nos anos subseqüentes, o Pink Floyd encontraria outros muros, nos quais continuaria quebrando a cara. De 1969 a 1971, a banda enveredava por uma idéia mais esdrúxula do que a outra, todas fadadas a dar errado. De trilhas sonoras para filmes obscuros e espetáculos do balé de Marshella, além de um filme-concerto incompreendido (Live at Pompeii, gravado nas ruínas da velha cidade romana, com a banda tocando apenas para a equipe de produção), tudo contribuía para a derrocada definitiva de uma banda talentosa e promissora. O rumo só foi recuperado com Meddle (ao lado), álbum de 71, e com a suíte “Echoes”, que ocupava um lado inteiro do vinil com saudáveis 23 minutos de versos psicodélicos e estranhos, fraseados de blues e experimentação sonora.

Daí pra frente, a cama estava feita para Dark Side of the Moon, ápice criativo antes do declínio definitivo que pariu chatices monumentais como The Wall, The Final Cut e The Division Bell.

O ouro, porém, se esconde antes, justo nesse entre-safra que marca o caminho para o topo. Não custa nada pendurar os preconceitos de lado e dar uma chance a um velho dinossauro. Afinal, Vovó Zilda e Tio Roy é que eram massa mesmo.

[[P.S.:]] Se você foi acometido por algum tipo de iluminação divina, esse blog tem a discografia completa do Floyd pra download. Evite tudo o que vier pós-74 e você se sairá bem.

12.10.08

Angels vs. Aliens

8.10.08

Top-top-top-uh!!!

Pra botar pra frente essa idéia de que a internet é uma grande comunidade, com pessoas de todo os gostos, perfis e lugares conectadas, nêgo é capaz de inventar trocentas bobagens. A mais recente, me apresentada pelo careta gente boa Daniel Faria é o tal do meme.

Pelo nome dá pra sacar o grau de frescura. O negócio é, basicamente, o seguinte: faz uma listinha com sete músicas, depois dá o nome de cinco outros blogueiros que devem continuar a história adiante.

Tipo uma corrente daquelas que vinham pelo correio, com a diferença de que ninguém corre o risco de perder o emprego ou ser atropelado ao atravessar a rua, depois de aceitar um pedido de casamento ou coisa do tipo. Em tese, ao menos, estamos seguros.

Por mais ridículo que possa parecer - e de fato é - todo jornalista que se preze adora fazer lista, seja lá do que for. Se for relacionada a música então, vixe. Quer oportunidade melhor pra pagar de bacana em mesa de bar? E, convenhamos: o que é a "blogosfera" senão uma grande mesa de bar onde há muito tempo se perdeu a conta das cervejas , estamos todos lisos e ninguém dá a mínima pra quem vai pagar o prejuízo?

E pra piorar, eu, como não tenho nada melhor pra fazer mesmo, fiz duas listas: uma com músicas nacionais, outra com as gringas.



[[Nacionais]]

1)"Minha Cunhada", dos Raimundos
2)"Eu Digo Sete", da Graforréia Xilarmônica
3)“Sobremesa”, de Chico Science & Nação Zumbi.
4)“Revendo Amigos”, de Jards Macalé
5)"Mestro”, do Hurtmold
6)“Riffs”, dos Superguids
7)“Será Que Eu Vou Virar Bolor?”, de Arnaldo Baptista

[[Gringolândia]]
1)“Snowblind”, do Black Sabbath
2)“Rainy Day Women #12 & 35”, de Bob Dylan
3)“1970”, de Iggy & the Stooges
4)“Last Goodbye”, de Jeff Buckley
5)“Jesus, Etc.”, do Wilco
6)“Powderfinger", de Neil Young & Crazy Horse
7)“Buddy Holly”, do Weezer

E as próximas vítimas são...: Hugo Morais, Marcelo Morais (Não são parentes, até onde se sabe), Wagner Brito e... basicamente, só. Não conheço ou não me lembro agora de mais blogueiros e como o próprio Daniel já escolheu Tiago Lopes, fico sem quarta opção. Que dirá, uma quinta.

3.10.08

Um grande maldito

Por uma dessas convenções que não se sabe bem de onde aparecem, certos compositores vão pra cova com a alcunha MALDITO estampada na testa. Isso, hoje em dia, dá até um certo charme. É bom ser "cult", incompreendido e só conhecido por aquele grupelho intelectualóide que habita as sessões de cinema de arte pelo país afora. Jards Macalé, que não era nem bobo nem tropicalista, sabia das coisas. Mas nem assim escapou de levar a desnecessária tarja preta na cara.

O cara é um gênio, ponto final. Se ele escreveu "Vapor Barato", que gerou uma infinidade de versões horrorosas nos anos subsequentes, a culpa já não era mais dele. Inclassificável, Macalé fez samba, pop, jazz, rock, psicodelia e o escambau, sem nunca perder a verve poética e irônica - seja na fossa ou na galhofa.

Dia desses, topei com o sujeito sendo entrevistado no programa de Paulo César Pereio, que passa no Canal Brasil. Entrevistado era modo de dizer. O negócio era basicamente os dois sentados numa cozinha com uma câmera ligada e conversando sobre qualquer coisa, Macalé fumando um cigarro atrás do outro. Interessante a princípio, mas enfadonho depois de alguns minutos.

Enfim, o fato é que fuis cascaviar atrás de ouvir e baixar outras coisas blogs afora. Catei Jards Macalé (1972), disco de estréia gravado com acompanhamento de power trio, quase roqueiro: Macalé no violão e voz, Lanny Gordin no violão de aço e no baixo, e Tutty na bateria. Na sequência, Aprender a Nadar (75), com arranjos mais sofisticados e igualmente geniais. Baixe clicando nas capas e curta essa lombra.



Jards Macalé (1972)

01. Farinha do Desprezo
02. Re
vendo Amigos
03. Mal Secreto
04. 78 Rotações
05. Movimento dos Barcos
06. Meu Amor me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata
07.
Let's Play That
08. Farrapo Humano - A Morte
09. Hotel das Estrelas







Aprender a Nadar (1975)

01. Jards Anet da Vida
02. Dois Corações / No Meio do Mato / O Faquir da Dor / Ruas Real Grandeza / Pam Pam Pam
03. Imagens
04. Anjo Exterminado
05. Dona de Castelo
06. Mambo da Cantareira
07. E Dai?
08. Orora Analfabeta
09. Senhor dos Sábados
10. Boneca Semiótica