16.6.08

Hoje é dia de Bloom, Leopold Bloom

O mais longo dos dias

Intelectuais, acadêmicos e aficionados pela literatura preparam-se para celebrar o Bloomsday, dia dedicado à vida e obra do irlandês James Joyce.

*Publicado no jornal Nasemana em 14/06/2008.

O dia 16 de junho tem destaque especial no calendário de intelectuais, pesquisadores e aficionados por literatura. A data foi escolhida pelo escritor irlandês James Joyce para situar a ação de seu romance épico Ulisses, considerado por muitos como um dos mais importantes do século XX. Publicado originalmente em 1922, o livro acompanha as desventuras do personagem Leopold Bloom pelas ruas da capital irlandesa Dublin, durante o decorrer do 16 de junho de 1904, numa alegoria moderna à Odisséia, de Homero. Ao longo dos anos, a data passou a ser conhecida como Bloomsday (ou “Dia de Bloom”, em referência ao nome do personagem principal) e inspira homenagens à Joyce e sua obra em todo o mundo.

O primeiro Bloomsday foi comemorado de forma despretensiosa, dois anos após o lançamento do livro, por iniciativa de alguns amigos do escritor, então enfrentando dificuldades financeiras e sérios problemas de saúde. A partir de 1954, a festa passou a ser regular em Dublin e atualmente corresponde a uma das principais datas comemorativas do país, tornando Ulisses o único livro além da Bíblia a possuir um feriado em sua homenagem. No Brasil, as primeiras comemorações apareceram na década de 80 em São Paulo, por iniciativa dos poetas concretistas. Hoje, a data já está integrada à vida cultural de várias capitais brasileiras, sendo realizada simultaneamente em bares, livrarias e teatros. Em Natal, a festa existe desde 1989 e se ainda não saiu do ambiente acadêmico, vem atraindo cada vez mais interessados.

O Bloomsday natalense nasceu graças aos esforços do professor Francisco Ivan da Silva, do Departamento de Letras da UFRN. Estudioso apaixonado da obra de James Joyce desde meados da década de 80, época em que leu Ulisses pela primeira vez em seu idioma original, Ivan reconhece que no início teve receio em relação ao sucesso da empreitada. “A idéia de realizar o Bloomsday em Natal veio de uma necessidade que eu tinha de comunicar minha leitura, de uma história pessoal minha aliada à vontade de realizar na cidade um evento que é comemorado no mundo inteiro”, conta. “Havia um temor, como é natural em tudo que é novo, mas também pela magnitude da obra de Joyce. Era uma responsabilidade tremenda”, confessa. O nervosismo foi logo dissipado depois da repercussão alcançada pelo evento, que estreou no hoje extinto Espaço Cultural Babilônia, em Ponta Negra, e atraiu estudantes universitários, jornalistas, acadêmicos e aficionados por James Joyce e pela literatura em geral.

Desde então, o Bloomsday em Natal só vem ganhando forças. Desde 1997, o evento conta com o apoio do Núcleo de Arte e Cultura da UFRN, o que garante a sua realização dentro das dependências do Campus Universitário. Recentemente, recebeu o reconhecimento da Embaixada da Irlanda no Brasil e da Associação Brasileira de Estudos Irlandeses, contato que garantiu a doação de 500 livros da literatura irlandesa para a Biblioteca Central da UFRN. Estudiosos e especialistas na obra joyceana de todas as partes do país já participaram do evento, que em sua trajetória conta com alguns momentos memoráveis. Francisco Ivan ainda guarda viva na memória a lembrança de uma leitura inusitada do monólogo final do livro, que encerra a saga na voz da personagem Molly Bloom, feita na primeira edição do Bloomsday em Natal. “No primeiro Bloomsday que fizemos, o professor Waldson Pinheiro leu uma versão em esperanto do monólogo final, que ele mesmo traduziu. Uma coisa belíssima, inesquecível”, recorda, citando outras participações ilustres como o escritor potiguar Eulício Farias de Lacerda e a especialista em línguas modernas da USP, Mônica Meltran.

Identidade universal

Mesmo as vésperas de completar vinte anos de realização ininterrupta, a celebração do Bloomsday em Natal encontra resistência de alguns formadores de opinião da cidade, que questionam a relevância de uma celebração em torno de um escritor europeu em detrimento dos autores locais. Sem desprezar a qualidade da literatura potiguar, Francisco Ivan justifica a existência e importância do Bloomsday em Natal por meio da universalidade da obra de Joyce. “Ler Ulisses é estar no centro de Dublin. E estar no centro de Dublin equivale a estar no centro de qualquer cidade do mundo, inclusive Natal. A ação no livro é muito simples, trata da vida diária, do cotidiano provinciano. São situações que poderiam acontecer em qualquer parte do mundo. A universalidade da literatura acaba com qualquer regionalismo”, dispara. “Não desprezo os autores locais, mas me proponho a apresentar a diferença. A intenção não é negar os escritores potiguares, mas sim elevá-los, colocá-los em contato com o outro. A identidade se traduz pela diferença”.

Para o bibliófilo João da Mata Costa, participante ativo do Bloomsday natalense desde a primeira edição, o evento vem firmando sua importância junto ao público natalense interessado em literatura a cada ano. “O Bloomsday está ganhando a cidade. Ano após ano, percebo que um aumento nas discussões e comentários a respeito do evento”, avalia. “O público tem se mostrado cada vez mais interessado, principalmente devido aos palestrantes convidados”, aponta.

E esse ano, o interesse do público deve aumentar. Para fechar o evento, foi convidado o poeta, tradutor e ensaísta Décio Pignatari que ministrará a palestra “Bloomsday/Doomsday: O Dia do Juízo Final de James Joyce”, no auditório da Biblioteca Central Zila Mamede. A programação do evento inclui ainda exibição de vídeos, recitais e uma exposição de cartazes, edições raras e outros objetos referentes à vida e obra de James Joyce.


Programação Bloomsday – 2008

Segunda-feira – 16/06

Biblioteca Central Zila Mamede, Campus Universitário - UFRN.

10h - Exposição com objetos referentes à vida e obra de James Joyce;

15h - Exibição do vídeo “O Retrato do Artista”, realizado por Jota Medeiros e Justino Melo; Exibição do filme “Bloom – Toda uma vida em um único dia” (dir. Sean Walsh, 2003);

19h30: Conferência: “Bloomsday/Doomsday: o Dia do Juízo Final de James Joyce”, com o Prof. Dr. Décio Pignatari;

20h40: Lançamento dos livros Thalassa, de Francisco Ivan; e Antologia Poética de Tradutores Norte-Riograndeses, de Nelson Patriota; edição especial da Revista Bando, em homenagem à Nísia Floresta.

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