7.2.08

Por um ano mais canalha...


Estão dizendo por aí que carnaval agora só no ano que vem. Mentira. Todo mês tem uma micareta numa esquina próxima a você pra infernizar sua vida e garantir o suado leitinho das Ivetes e Chicleteiros desse Brasilzão.

E já que agora é que o ano começa pra valer, vou aproveitar e esticar o feriado um pouquinho mais. Até porquê ando que nem ex-Big Brother quando vai dar aquela entrevista protocolar no Faustão: cheio de projetos (mais detalhes em breve). Então, para que esses tais planos diabólicos saiam do papel e tornem o ano de 2008 mais canalha, vou me abster de escrever algo novo hoje.
Mas, porém, contudo, todavia ENTRETANTO, já que o carnaval também é descolê, vale a pena ler de novo esse artigo sobre a Orquestra Imperial, publicado originalmente no Disruptores no longíquo julho de 2007. Quem já leu, lê de novo.

[[[ Vale a pena ler de novo]]]:

Orquestra Imperial inverte a piada na gafieira descolê
(Dirsuptores - 25/07/07)

Se João do Rio entrasse na recente onda dos escritos mediúnicos e resolvesse retornar para fazer uma edição expandida de seu Religiões do Rio, teria que incluir uma forma de culto religioso provavelmente pouco comum nos primeiros anos do século XX. É tendência do brasileiro, descobriria o dândi carioca, endeusar seus artistas favoritos, sobretudo na música.

De Chico Buarque a Renato Russo, de Humberto Gessinger a Los Hermanos - tudo que eles tocam, fazem ou falam vira oração a ser copiada no perfil do orkut e decorada para ser recitada com as mãos pra cima, em meio a outros fanáticos no culto ecumênico em que as apresentações ao vivo se transformaram. Com o súbito “recesso por tempo indeterminado” dos Loser Manos (o último grande culto musical dos anos 00), os fiéis do setor de Comunicação Social ficaram a ver navios. Sem desespero: a Orquestra Imperial e seu resgate aos bailes de gafieira de priscas eras chegou para apontar o caminho da salvação.

Antes de qualquer coisa, é preciso que fique claro que a Orquestra Imperial se aproxima como poucos do que seria o supra-sumo do descolê, a evocação máxima de um sujeito de vinte e poucos anos, sentado de pernas cruzadas em frente à janela, óculos de aro grosso, Portinari pendurado na parede, um cigarro numa piteira quilométrica e um livro do Jorge Mautner no colo. Ao fundo, toca Carnaval Só No Ano Que Vem, disco de estréia da banda. Aliás, banda não, que quem é chic não tem banda: tem projeto (NOTA do Ombudsman Canalha: A-rá!!!).

E a Orquestra é, portanto, o projeto de um punhado de músicos cariocas (entre eles, o ex -Hermano Rodrigo Amarante, o “bebê de Rosemary” Moreno Veloso e a atriz/cantora Thalma de Freitas) que se agregaram em meados de 2002 com o intuito reviver o espírito dos velhos e tradicionais bailes de carnaval do Rio de Janeiro.

Capa do CD Carnaval Só No Ano Que Vem da Orquestra ImperialJuntada a patota, saíram tocando o terror adoidado num repertório que tinha a moral de misturar bolerões cafonas, marchinhas clássicas e bizarrices como “Vem Fazer Glu-Glu”, de Sérgio Malandro, e “Iron Men”, do Black Sabbath (!). Isso, é preciso que se reconheça, é algo que tem seu charme: diversão levada a sério e ainda com um indefectível ranço de intelectualidade anárquica, pra combinar o terno com o all-star detonado. De lá pra cá, a bola de neve só foi crescendo e eis que cinco anos de atividade e alguns EPs depois, os quase vinte componentes da Orquestra entram em estúdio pra registrar um disco cheio, só com canções autorais.

Produzido pelos Timbalands brazucas, Bernna Ceppas e Kassin - também membros da Orquestra - e pelo tarimbado Mario Caldato (Beastie Boys), Carnaval Só No Ano Que Vem subverte a lógica inicial que deu origem à Orquestra Imperial: deixamos de lado a diversão e passamos a encarar como um trabalho sério e artisticamente relevante a piada que era tão bem contada. Afinal, é esse o caminho mais fácil pra chatice, que parece ser sempre o norte a ser seguido pelos envolvidos. Basta considerar o último disco do Los Hermanos, os discos produzidos por Kassin e Bernna, e o fato do filho de Caê tocar na banda e você vai ver que não é uma tese totalmente infundada.

Não que o disco seja abominável de ruim; na verdade nem é - acontece apenas que, em 90% do tempo, fica entre o mortalmente chato, o irritantemente insípido e o puro sem graça. Tanto que, ao final das onze faixas do disco, fica aquela inegável sensação de coletânea de loja de departamentos indie (vulgo brechó). Ok, vá lá, tem bons momentos: “O Mar e o Ar”, entoada por Amarante cai bem num fim de tarde numa casa de praia, e as divertidas “Ereção”, “Ela Rebola” e “Era Bom” descem bem que é uma beleza com uma cerveja gelada e um prato de bife acebolado.

Mas até chegar nas partes boas, ainda é preciso passar por coisas abusadas como “Rue de Mes Souvenirs” cantada em francês de biquinho por Thalma de Freitas, e a forçação máxima da vontade de soar vintage em “Supermercado do Amor”, com um suspeito toque de rockinho dos anos 60. Se era pra fazer um disco que traduzisse a energia e a refestelação dos shows, a Orquestra falhou. Constatar isso ouvindo o disco, é uma conclusão óbvia; apontar o que foi que deu errado já é mais complicado.

Talvez seja a falta de espontaneidade na execução das faixas que, mesmo quando pede a galhofa (como na já citada “Ereção”), não convence com seus arranjos milimetricamente asseados e interpretações exageradas. Há quem diga que seja a insistência em soar poético quando uma simples letrinha de dor de cotovelo faria melhor o serviço (”Adoro ornar o adro dela/ ode no altar de outro/ toda hora curtindo o andor”, diz a letra de “Jardim de Alah”). Por outro lado, talvez seja a duvidosa intenção de soar engraçadinho, com forte tendência para piadas infames (”A ereção não tem hora pra chegar/ com ou sem emoção, em festa ou particular”).

Bem, todas as alternativas anteriores estão corretas, eu diria. O maior problema de Carnaval Só No Ano Que Vem é justamente o exagero em suas intenções. Quer ser divertido demais, intelectual demais e acaba sendo despretensioso e natural de menos. Acaba soando falso e sem vontade. Claro, é bem produzido, polido e tocado com a competência de sempre. Mas até aí um recital de viola elétrica de John Cale também é, e quem, em sã consciência, consegue realmente gostar disso?

Óbvio que isso tudo não quer dizer nada. O Bolsão de Previsões para o segundo semestre de 2007 indica que a Orquestra Imperial deve seguir comandando sua gafieira classe média alta a preços nada populares e Carnaval Só No Ano Que Vem deve aparecer na lista de melhores do ano de um monte de gente dita “in”. E antes que você possa dizer “Marcelo Camelo”, uma Igreja Imperial estará operando a todo vapor, pertinho de você, com cultos de segunda à sexta, sábados, domingos e feriados. Aí, amigo, um abraço. Segura na mão de Chico e vai…


[[[ Uma pequena carta de recomendações]]]

Pra não dizer que não falei das flores, eis uma pequena bula pra você que não sabe bem como começar o ano.

[[Hit Parade Canalha:]]

Bolacha: Bitches Brew - Miles Davis
Película : Daunbailó - Jim Jarmusch
Páginas Amarelas: A Máquina Voadora - Braulio Tavares



[[[FELIZ ANO NOVO, BRASIL!]]]

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