13.10.08

Crônica pop: Dinossauros efervescentes

Gênero nefasto, comumente – e, em 90% dos casos, certeiramente – atribuído a chatice e a pompa desnecessária, o rock progressivo pode ser considerado o ogro feio do rock’n roll. Comumente caindo na prateleira do “não ouvi e não gostei”, as bandas do estilo quase sempre só encontram admiradores entre fileiras de tiozões saudosistas ou nerds do laboratório de informática.

Os modernos, que preferem gastar seus tostões em coisas menos inúteis do que discos ou revistas sobre música, fogem desse tipo de sonoridade como o diabo da cruz, jogando tudo na pasta de quarentena imaginária do PC, enquanto ignoram que boa parte dos artistas atuais ditos “de vanguarda” e que encontram lugar confortável no gosto desses mesmos seres antenados devem até o fundo das calças a nomes empoeirados como King Crimson, Yes e Gentle Giant. Figuras como Arcade Fire, Radiohead, Mars Volta e tantos outros estão aí para não me deixar mentir.

Dentre todos esses dinossauros do passado, o mais popular e, talvez por isso mesmo, mais injustiçado é o Pink Floyd (saltitantes, nos idos de 68). Típico caso da banda que virou instituição, o grupo de Roger Waters e David Gilmour é figurinha carimbada no aparelho de DVD ou na trilha sonora ambiente de "rock bares" descolados. Mas são comumente conhecidos graças à uma bobagem como “Another Brick in the Wall”, que atinge desde o teu pai até o flanelinha que te cobra 5 pilas na saída do mesmo bar, o que joga por terra toda as credenciais que a música do grupo poderia ganhar (se é popular e todo mundo conhece, logo não presta).

Calma que o buraco é mais embaixo. Antes de virar uma punheta musical de raio laser, palcos duplos e álbuns conceituais, o Floyd foi um dos grupos mais inventivos a sair da Inglaterra no final dos anos 60. E, como criatividade e coerência artística não vêm de graça pra ninguém, a banda foi protagonista de um dos maiores dramas internos da história da música pop.

A história está muito bem contada no excelente livro do jornalista inglês John Harris, The Dark Side of the Moon: Os bastidores da obra-prima do Pink Floyd. Diferente do que o infeliz título entrega, Harris não se prende a relatar somente a gravação do clássico álbum de 1974, tão enraizado na cultura inglesa que estima-se que uma em cada cinco casas do país possua uma cópia. Ao contrário: as gravações de The Dark Side... são apenas o clímax do livro que, por meio de entrevistas com os músicos originais e pessoas envolvidas na produção da banda, figuras da cena psicodélica londrina e demais vozes relevantes, traça um perfil completo e interessante do inferno astral no qual o Pink Floyd foi jogado após a derrocada definitiva do líder Syd Barret.

Vindo do cenário underground da Cambridge de fins dos anos 60, quando a efervescência psicodélica da Costa Oeste dos Estados Unidos, mais a literatura beat e todo o levante contracultural, que ainda incluía as artes gráficas e o cinema, atingiu todos os inferninhos da região, o grupo então formado por Syd Barret (guitarra e voz), Roger Waters (baixo), Richard Wright (teclados) e Nick Manson (bateria), produziu um álbum de estréia que pavimentava um caminho auspicioso para o pop da época. The Piper at the Gates of Dawn, com suas faixas que mesclavam experimentalismo e senso pop em doses iguais, unia a chapação da psicodelia com imagens tiradas da literatura infantil e um senso de loucura até então charmoso.

Quando a ameaça se provou concreta e verificou-se que, de fato, Barret, figura central do grupo e autor de praticamente todas as faixas do álbum, sofria de problemas mentais potencializados pelo abuso de drogas, os outros três integrantes se viram jogados na Rua da Amargura. Assumindo o comando, Waters recruta o galã David Gilmour para a guitarra que, apesar de não levar muita fé no futuro da banda, aceita o convite atraído pela possibilidade de “fama e garotas”, como ele próprio admitiu depois. O problema é que Roger Waters ainda não era um compositor de verdade. No livro, Harris chama “Take Up Thy Stetoschope and Walk”, única contribuição de Waters em Piper… de “uma embromação musical que resultou na única falha berrante do disco”.

As críticas ao segundo álbum da banda, A Saucerful of Secrets, também não foram muito elogiosas. Numa resenha datada de outubro de 68, o crítico Jim Miller, da Rolling Stone, classifica o disco como “medíocre” e taxa as composições de Waters de “melódica, harmônica e liricamente chatas”. Não totalmente sem razão, aliás. Mesmo contendo excelentes momentos como “Set the Controls for the Heart of the Sun” (só pelo título, já valia alguma coisa), o disco se perde na triste tentativa da banda de emular o estilo e a genialidade do líder deposto. “Juggerband Blues”, última contribuição de Barret na banda, fecha o álbum com um clima melancólico de despedida (“I 'm not there (...)/And I wonder who could be writing this song")

Nos anos subseqüentes, o Pink Floyd encontraria outros muros, nos quais continuaria quebrando a cara. De 1969 a 1971, a banda enveredava por uma idéia mais esdrúxula do que a outra, todas fadadas a dar errado. De trilhas sonoras para filmes obscuros e espetáculos do balé de Marshella, além de um filme-concerto incompreendido (Live at Pompeii, gravado nas ruínas da velha cidade romana, com a banda tocando apenas para a equipe de produção), tudo contribuía para a derrocada definitiva de uma banda talentosa e promissora. O rumo só foi recuperado com Meddle (ao lado), álbum de 71, e com a suíte “Echoes”, que ocupava um lado inteiro do vinil com saudáveis 23 minutos de versos psicodélicos e estranhos, fraseados de blues e experimentação sonora.

Daí pra frente, a cama estava feita para Dark Side of the Moon, ápice criativo antes do declínio definitivo que pariu chatices monumentais como The Wall, The Final Cut e The Division Bell.

O ouro, porém, se esconde antes, justo nesse entre-safra que marca o caminho para o topo. Não custa nada pendurar os preconceitos de lado e dar uma chance a um velho dinossauro. Afinal, Vovó Zilda e Tio Roy é que eram massa mesmo.

[[P.S.:]] Se você foi acometido por algum tipo de iluminação divina, esse blog tem a discografia completa do Floyd pra download. Evite tudo o que vier pós-74 e você se sairá bem.

3 comentários:

Anônimo disse...

"punheta musical de raio laser" foi sensacional! (rs). Rapaz, ainda estou baixando músicas da sua lista top top. Muita coisa boa. Do Jards Macalé, Bob Dylan e Jeff Buckley prefiro outras deles. Mas são geniais, sem dúvida.

Daniel Faria disse...

meus discos preferidos do floyd são o wish you were here, o the wall e o final cut. sem brincadeira. ergui a bola, agora pode cortar. =)

Demitido disse...

Vamos todos ouvir Van Der Graaf Generator e sermos felizes.

Ah, Pink Floyd não é rock progressivo. Apenas um arremedo.