10.8.08

Questões editoriais

Letras independentes
Escritores e editores potiguares fogem dos esquemas de grandes editoras e publicam seus livros por conta própria, movimentando o mercado da literatura no RN.


Que os artistas estão cada dia produzindo, editando e divulgando seus trabalhos por conta própria não é mais novidade alguma. Desde o barateamento das tecnologias de reprodução, impressão e difusão é mais do que comum ver cineastas abrindo seus próprios estúdios, músicos lançando discos por selos fonográficos independentes e escritores publicando seus livros por iniciativa própria, em selos editoriais de pequenas tiragens. Esse último exemplo em especial, vem se tornando cada vez mais comum no cenário cultural do Rio Grande do Norte.

Nos últimos anos, a produção literária do estado vem se tornando evidente graças ao esforço de editores e autores que se aventuram em empreitadas em prol da literatura local, muitas vezes custeadas do próprio bolso.

Embora os bloqueios do mercado ainda sejam muitos e difíceis de serem furados, o cenário a princípio parece promissor, com iniciativas de posturas e propostas diferenciadas. "Nunca o estado teve tantos editores com qualidades tão profissionais", sentencia Abimael Silva, da Sebo Vermelhos Edições, editora pioneira na publicação independente no estado, com 236 títulos publicados desde 1991.

"O momento atual é um salto de qualidade na literatura do Rio Grande do Norte. Hoje um autor que queira publicar tem várias opções editoriais para colocar seu livro na praça", completa.

A mais recente aventura editorial potiguar é a Edições Flor do Sal, dirigida pelo poeta Adriano de Sousa e pela publicitária Flávia Assaf. Investindo no formato dos livros de bolso, a editora estreou oficialmente com o lançamento triplo dos livros Menina Gauche, de Ada Lima, O Poema do Caminhão, de Sebastião Vicente, e O Pastoreio do Boi, de Márcio Simões.

Cavando uma saída para três autores novos, a editora prima pelo cuidado com a parte gráfica dos livros, impressos em papel de qualidade e com ricas ilustrações internas. Segundo Flávia Assaf, o selo nasceu em primeira instância por uma necessidade própria de quem é apaixonado por literatura.

"Foi uma simples questão de parar de reclamar que ninguém fazia e resolver fazer por conta própria", conta, sem demonstrar preocupação com o advento dos blogs e outras modalidades de publicação virtual. "Quem gosta de literatura, gosta de ler livro. Nosso plano é colocar bons títulos de bons autores com uma qualidade material boa, para quem gosta do livro como objeto", diz.

Apostando em uma seara inédita nos âmbitos literários locais, o selo Mekong, capitaneado pelo jornalista Cefas Carvalho e pela atriz e dramaturga Cláudia Magalhães, dedica a coleção Teatro Potiguar exclusivamente a publicação de textos relacionados ao teatro ou de espetáculos teatrais.
Depois da inauguração com o auto "Terra de Sant'Ana", de Cláudia Magalhães, a dupla prepara uma a publicação dos textos de outros dramaturgos potiguares, como Henrique Fontes e Clotilde Tavares, além de estudos e ensaios sobre a prática teatral.

"O estado, apesar de contar com grandes dramaturgos, não tem tradição editorial no teatro", conta Carvalho. "Nesse sentido, viemos para preencher uma lacuna mais artística do que mercadológica", define.

E o mercado já começa a dar sinais de renovação. Iniciativas curiosas como o lançamento da coletânea virtual do grupo "Verborrágicos!", que pode ser baixada tanto em texto quanto em áudio, no formato mp3, começam a pipocar por aí.

Recentemente, o selo Jovens Escribas anunciou a ampliação de suas atividades ao firmar parceria com a banda Os Poetas Elétricos, para o lançamento do CD "Estirado no Estirâncio".

[[Incentivo à polêmica]]

A criatividade, no entanto, ainda esbarra em algumas discussões polêmicas. Uma delas diz respeito à utilização dos recursos das leis estadual e municipal de incentivo à cultura para viabilizar a produção de livros, produto que, em tese, é destinado a uma parcela intelectualizada da classe média.

Carlos Fialho, do selo Jovens Escribas, que lançou os quatro primeiros livros utilizando a Lei Municipal Djalma Maranhão de Incentivo à Cultura, afirma que a lei pode ser um bom começo para que os autores aprendam a andar com as próprias pernas.

"O absurdo está em os livros serem destinados à classe média. Todos deveriam ter acesso a uma boa educação para desenvolver o hábito prazeroso da leitura. O fato é que se não fosse a lei de incentivo, não teríamos publicado quatro livros de autores estreantes que, com as vendas, estão podendo publicar outras edições de suas obras ou mesmo outros livros, dando seqüência ao trabalho literário", diz, lembrando que nenhum dos cinco projetos que o selo tem alinhados até 2009 utilizará recursos públicos.

Cefas Carvalho reconhece a validade da crítica, mas desvia a discussão para outro problema mais importante. "Não aceito nem repudio essa idéia. Apenas acredito que deve se pensar é na democratização e expansão do mercado", aponta, revelando que tentou incluir a publicação do texto de "Terra de Sant'Ana" no edital das leis de incentivo e que vai tentar novamente conseguir apoio público para as próximas publicações da Mekong.

Flávia Assaf tem uma opinião diferente. Segundo ela, o acionamento dos recursos públicos, com toda a burocracia envolvida, atrapalha mais do que ajuda. Um melhor uso para o dinheiro envolvido seria o investimento no estímulo à leitura.

"O problema das leis de incentivo é que existe muita burocracia, é preciso que você estude bem antes de poder utilizar de uma maneira que valha a pena. Melhor seria que esse dinheiro fosse usado para comprar livros de autores locais e abastecer as bibliotecas públicas", sugere.

[[Agora é lei]]
Se há um ponto em comum entre os editores potiguares, é a dificuldade em escoar a distribuição. "Hoje em dia, com essas facilidades tecnológicas que nós temos, fica muito fácil e muito simples produzir de forma independente. O problema é, realmente, fazer o livro chegar à mão de quem lê", aponta Flávia Assaf, da Edições Flor do Sal.

O escritor Carlos Fialho, do selo Jovens Escribas, engrossa o coro. "Distribuir é dureza. Ano passado, fechei acordo com duas distribuidoras: uma de João Pessoa, que levaria os livros do selo de Fortaleza a Recife; outra de São Paulo, distribuiria nossos títulos para o restante do Brasil. Hoje, meses depois, e às vésperas do nosso lançamento mais importante [o relançamento do romance "O Dia das Moscas", de Nei Leandro de Castro] os representantes dessas distribuidoras estão criando uma série de dificuldades e não conseguimos até hoje levar nossos livros para fora do estado, a não ser em casos isolados", desabafa.

Uma solução para o problema pode ser a Lei Henrique Castriciano, a Lei do Livro. Apresentada pelos deputados estaduais Fernando Mineiro (PT) e José Dias (PMDB), é uma adaptação da Lei Nacional do Livro e de projetos semelhantes em vigor no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.

Aprovada pela Assembléia Legislativa, em 16 de abril, e publicada no Diário Oficial no último dia 9 de junho, a lei promete, entre outras ações, facilitar o acesso à produção local por meio da ampliação de bibliotecas públicas, pela criação de novos pontos de venda de livros e a realização de eventos literários.

Enquanto os recursos para a implementação da lei aguardam definição para entrar no plano de orçamento do Estado no ano que vem, os editores comemoram com cautela a possibilidade de mudança.

Novamente, todos concordam que a lei, caso saia do papel, possa vir a ser uma injeção de ânimo no panorama literário do Rio Grande do Norte.

"Não adianta termos uma produção boa e se não há escoamento. Acredito sim que a lei possa significar um avanço, no sentido de criar uma cultura da leitura, não só entre jovens, mas entre a população em geral", opina Cefas Carvalho.

Por outro lado, poucos se dão ao luxo de nutrir falsas esperanças na possibilidade de que isso aconteça de fato. "Infelizmente, o Brasil é um país no qual as leis foram feitas para não serem cumpridas", lamenta Abimael Silva.

Um dos grandes empecilhos no que diz respeito à distribuição, na opinião do editor sebista são as livrarias, que nutrem preconceito mortal contra os autores potiguares. Para furar o bloqueio, Abimael recorre a pontos de venda pouco usais para a literatura, como bares e restaurantes, enquanto não concretiza um sonho que acalenta à muitos anos.

"Meu sonho é, um dia, abrir uma livraria exclusivamente com autores potiguares. Já sei até como ela vai se chamar. Mas isso é coisa pra daqui a uns oito anos, quando eu passar dos cinqüenta", planeja. Até lá, o jeito é ir procurando nas prateleiras do Sebo Vermelho.

*Publicado na edição do jornal NaSemana do dia 28/06/08

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