Lembra? –
Por volta das 7 da manhã. Segunda feira de sol morno, vento agradável correndo asfalto, nuvens simpáticas e corriqueiras. Banquinho daqueles de praça, pintado de branco descascado, numa quina mais tranqüila do pátio do colégio, eu sozinho sentado nele. É meu primeiro dia nesse lugar. Já não sou mais uma criançinha de jardim, é verdade, mas nada impede que eu me sinta desconfortável. Espero a campainha tocar. Não estou usando meias e sinto uma vontade tremenda de ir ao banheiro. Ah, sim... disso eu lembro muito bem...
Não só a música, mas toda arte de uma maneira geral tende a refletir o estado de espírito do artista. Músicos famosos por sua melancolia como Nick Drake, Jeff Buckley ou Eliott Smith (se ainda estivessem vivos) não surpreenderiam se em novos trabalhos apresentassem a habitual tristeza de um garoto solitário e sua guitarra. O mesmo pode ser dito de bandas como Television, Cowboy Junkies, Galaxie 500, Mogwai, Joy Division, Travis, Radiohead e boa parte da atual cena musical inglesa. O que surpreende mesmo é quando um nome do naipe do Supergrass diminui o volume das guitarras, põe as palminhas do refrão no bolso e entrega um disco tristonho e com a velocidade reduzida.
No ano em que mudei de colégio pela terceira e última vez, aconteceu de eu por as patas no primeiro disco do Supergrass, I Should Coco. Disco rápido, barulhento, feliz. A injeção de ânimo que eu precisava para suportar os primeiros meses num lugar novo com gente nova e desconhecida vinha principalmente dos acordes rápidos e sujos de “Caught By The Fuzz” e da alegria “somos jovens, tudo bem” do hit “Alright”. Sobrevivi, e o Supergrass seguiu como uma das minhas bandas favoritas.
Naquele mesmo ano, a banda lançou Life On Other Planets, outra ode à felicidade e ao lado bom da vida, ao lado dos amigos camaradas, das noites em claro e do rock’n roll. Dessa vez era “Rush Hour Soul”, “Za”, “Grace”, “Never Done Nothing Like That Before”, “Seen The Light”… felicidade plugada em pedais fuzz e piano acelerado, correndo atrás de um vocal debochado, em volta de uma sala cheia de cinzeiros e latinhas de cerveja, espalhadas entre os cabos do equipamento. “I’m a rock’n roll singer in a rock’n roll band, thank you very much”, agradecia o vocalista e guitarrista Gaz Coombes, ao fim de uma das canções.
Road to Rouen, disco mais recente da banda frustra toda e qualquer expectativa de quem espera ir à mais uma festa hoje a noite. O clima agora é de ressaca, de dia seguinte que se estenderá por muitos outros dias ainda. “Hello my honey/ my beautiful friend/ It’s hard to imagine/ It’s come to an end...”, canta o mesmo Gaz Coombes na primeira estrofe de “Roxy”. Há quem diga que seja estafa criativa, há quem diga que seja maturidade. Se tratando do Supergrass, acredito que sejam as duas coisas. É, em parte, o cansaço de se chegar aos trinta anos compondo canções com três acordes e recheadas de “lalalás”. E desse cansaço é que vem a maturidade. E da maturidade um disco do quilate de Road to Rouen, um dos melhores do ano passado. Ainda estão lá alguns pontos altos de felicidade, como a faixa-título e a divertida “Coffee In A Pot”. Mas o tom aqui é realmente a chegada inevitável da vida adulta, as contas a pagar, a namorada que se transformou em esposa de uma hora para outra, os amigos ausentes e o nosso senso de humor, cada vez mais amargo. “We were younger/ Oh the way you turned my head...”, diz a letra de “Low C”.
* Texto escrito e publicado nos idos de 2006. Direto do baú.
3 comentários:
Estava escutando esse disco dia desses, e só não digo que é o meu preferido dos caras porque essa é uma opinião que muda constantemente...
vou levar pra lagoa hahai
Excelente disco, como todos da banda(o X-Ray não sei dizer, mas todos os outros mantêm e muito o nível).
E o Diamond Hoo Ha, qual sua opinião a respeito?
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